O espetáculo midiático gerado por tragédia em Tijucas

Por Redação

Publicado em 26/06/2022 00h37 | Atualizado há 154 dias

Na última semana, ganhou destaque em todo o país e até mesmo internacionalmente o fatídico caso envolvendo o judiciário de Tijucas e duas crianças da cidade.

Chamou a atenção de nossos leitores o fato de que fomos provavelmente o único meio de comunicação de Santa Catarina que não reproduziu a reportagem do The Intercept Brasil. Chega a hora, portanto, de nos posicionarmos a respeito do caso.

Tivemos acesso a reportagem “Em audiência, juíza de SC induz menina de 11 anos grávida após estupro a desistir de aborto legal” minutos após ter sido publicada. Recebemos uma saraivada de mensagens de parceiros jornalísticos de todo o Brasil questionando o JR acerca de informações sobre o caso. Afinal, o episódio se desenrolou em nossa cidade.

Nosso time de reportagem leu repetidas vezes a íntegra da reportagem e os desdobramentos imediatos gerados por sua publicação. Acompanhamos de perto tudo o que estava acontecendo, todavia, sem reproduzir nada.

Você pode se perguntar: por que? A resposta é muito simples. Responsabilidade.

O caso é extremamente complexo e envolve duas crianças. Sim, são duas crianças: uma de 11, outra de 13 anos. Apenas por este fato, já se abre um gigantesco leque de leis e preceitos que não podem ser ignorados e desrespeitados. Seria falta de ética e profissionalismo reproduzirmos na íntegra uma reportagem cujo teor sequer foi verificado, analisado e pesquisado.

Apesar disso, foi o que milhares de empresas jornalísticas fizeram em todo o Brasil, Santa Catarina e em nossa cidade. Somos santos, perfeitos e jamais erramos? Não. Pelo contrário. Inúmeras vezes também erramos e fizemos exatamente o que optamos por não fazer neste momento. Afinal, é justamente com o erro que surge a sabedoria e com base nisso fomos norteados para tomar a decisão acerca deste caso.

Voltando aos fatos, após a leitura de centenas de linhas sobre o assunto, chamou a atenção o esforço midiático, principalmente por canais de comunicação cujo único teor é a defesa de ideologias políticas, em tornar o caso visto da seguinte forma:

Criança vítima de estupro cuja juíza sequestrou para que não possa abortar.

De imediato, surgem importantes questionamentos que não podem ser ignorados. “Como foi que vazou o depoimento de uma audiência que corre em segredo de justiça, principalmente tendo em vista se tratar de crianças? Quem é o estuprador? Quem é a juíza? O que ela pensa que está falando? Que absurdo seus pensamentos e suas ideias!”. Você com certeza se perguntou tudo isso. E nós também.

Uma coincidência (ou não) é o fato de que a militante da ideologia de esquerda Daniela Félix, advogada que está atuando no caso, é colunista do Portal Catarinas e foi justamente em parceria com esse portal que o site The Intercept publicou o vazamento do processo e da audiência da juíza Joana Zimmer com a criança.

O teor da reportagem é extremamente claro e conclusivo: a criança precisa urgentemente abortar. O primeiro parágrafo, inclusive, deixa isso em evidência: “Uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de um estupro, está sendo mantida pela justiça de Santa Catarina em um abrigo há mais de um mês para evitar que faça um aborto legal”.

Arrisco dizer que 99% das pessoas que compartilharam a reportagem original do The Intercept e as cópias da mesma veiculadas pela mídia em todo o país sequer leram o restante ou tentaram interpretar os fatos.

Causa estranheza o fato de que, apesar de se ter acesso a todo o caso, afinal, o vídeo não surgiu sozinho na pasta do Windows das jornalistas, em nenhum momento foi mencionado na reportagem as evidências, suspeitas e diligências indicando a idade e identidade do estuprador.

O delegado Alison Rocha, da Polícia Civil de Santa Catarina, responsável por conduzir o caso, confirmou em entrevista ao portal TopElegance, que a linha de investigação aponta três pontos importantíssimos para a discussão:

1- O principal suspeito de ter engravidado a criança de 11 anos é meio-irmão da vítima e tem 13 anos. Ou seja, também é uma criança.

2- Existem elementos indicando se tratar de uma possível relação consentida, que era de conhecimento do padrasto e da mãe da menina.

3- A investigação apurou elementos indicando um planejamento por parte do abre aspas “casal” (afinal, duas crianças de 13 e 11 anos jamais poderiam constituir um casal) para que ocorressem as relações sexuais que culminaram na gravidez.

Por que será que nenhum destes fatos foram mencionados na reportagem do The Intercept Brasil? Será que, se expostos estes tópicos, suscitariam-se dúvidas acerca da legalidade e tornaria mais difícil “vender a ideia” de que a menina precisava urgentemente abortar?

Simultaneamente com a narrativa construída em Tijucas e difundida em todo o país, na América do Norte, ocorria outro importantíssimo e decisivo julgamento: continuaria o aborto sendo um direito nos Estados Unidos da América?

Além disso, no mesmo bolo, ocorreu a eleição de Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia. Com a eleição de Petro, o continente sulamericano tornou-se quase todo vermelho. A derrubada do direito constitucional ao aborto nos EUA foi uma vitória da ideologia de direita, que já estava prevista pelos principais articuladores da geopolítica mundial.

Ou seja, em todo o mundo, neste momento, a polarização entre as ideologias de esquerda e direita gira entorno do aborto. O Brasil, um dos únicos países da América Latina onde o governo rege segundo preceitos conservadores, escolhe muito em breve seu novo presidente.

Através da imprensa marrom, pessoas se transformam em mera massa de manobra, passando a defender ideias que não são suas e que geralmente sequer lhes beneficiam. Massa de manobra são as pessoas manipuladas e conduzidas para servir o interesse de alguém ou de um grupo. Para quem é conveniente, neste momento, a criação de uma polarização entre a população?

Para a construção de uma narrativa, precisa existir elementos coesos, fortes e, principalmente, revoltantes: afinal, é o que vende. A mídia sabe disso. A população, felizmente, está aprendendo isso e passa a selecionar quais veículos seguir, ler e acreditar. Ao que tudo indica, o caso foi escolhido à dedo ou, então, “caiu como uma luva”.

No centro da geopolítica mundial, está justamente nossa cidade e o fatídico caso de duas crianças. Você percebe como a narrativa foi construída em sua totalidade ignorando-se os três elementos principais? São eles: a criança grávida, a criança que abortou e a condução da justiça.

A partir do momento que “explodiu” o caso, chegando aos trending topics do Twitter e tendo viralizado em todas as redes sociais, rapidamente entrou-se com recursos para que a gestação fosse interrompida. Com a pressão popular, fruto da forte construção da narrativa, conforme evidenciamos, não demorou para que ocorresse o aborto e começou a ganhar a mídia a seguinte notícia:

Criança de 11 anos estuprada faz aborto e interrompe gravidez

Vitória da esquerda. Danem-se todos os envolvidos. Será mesmo? E as consequências de tudo isso?

A criança voltou para casa e deixou o abrigo. Bacana! Que casa é esta? A mesma casa onde reside o suposto estuprador? E, afinal, foi um estupro?

Segundo o delegado, ao que tudo indica, em tese configura-se um estupro. Todavia, a responsabilidade se direciona para os dois envolvidos e, inclusive, o próprio autor figura como vítima e a vítima configura como autor. Confuso? Claro! A gente entende tudo o que está sendo debatido? Óbvio que não. Quem entende são os juízes, promotores, policiais e profissionais competentes. E quem não entende, obviamente, são jornalistas irresponsáveis que divulgam desenfreadamente uma narrativa objetivando a venda de uma ideia e o consequente lucro com milhões de pageviews.

Ainda de acordo com o delegado, os atos foram consentidos e planejados pelo adolescente de 13 anos e criança de 11. Havia, segundo a Polícia Civil, uma relação considerada pelos pais como sendo “de afeto” entre os dois e agora, investiga-se, inclusive, a responsabilidade dos pais.

Em tempo, também ocorre uma rápida “correção” por parte de jornais que, irresponsavelmente, reproduziram a opinião do The Intercept. Agora, pedem desculpas à promotora Mirela Dutra Alberton e à juíza Joana Ribeiro e se retratam pelo que fizeram.

Queremos esclarecer que, em nenhum momento estamos entrando no mérito sobre a discussão acerca do aborto. Estamos entrando na discussão sobre o caso especificamente, que infelizmente foi ignorado a partir do momento em que o aborto se concretizou. 

A discussão central do assunto é sobre a menina supostamente ter sido “sequestrada” pela justiça. Na verdade, ela estava num abrigo porque, infelizmente, apenas com 22 semanas de gestação o caso foi levado ao conhecimento do judiciário e havia a fundada suspeita de que o autor pudesse se tratar de seu meio-irmão, que também é uma criança e está sujeito a uma diferente abordagem por parte da legislação, muito mais cautelosa, limitada e absurdamente menos rígida do que se fosse um adulto. Tem que ser debatida? Sim. O que não pode acontecer é uma vítima de estupro ser usada para que ocorra a venda de uma ideia para a sociedade. 

Para finalizar, fica a pergunta. E para a bebê, quem vai pedir desculpas?

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